segunda-feira, 10 de agosto de 2009

SUBVERSIVO ATÉ DEBAIXO DA TERRA


Deixe a dúvida no ar... espero não ter que voltar para o mundo dos vivos para tirar essa história a limpo... assim, estaria subvertendo a ordem da morte!! Quer saber, viva a subversão!

domingo, 9 de agosto de 2009

Fonte histórica intrigante:

Fac-símile (será?) de caderneta de Luís Carlos Prestes, no arquivo do Delegacia de Ordem Política e Social:

http://www.arquivoestado.sp.gov.br/docdesc.php?id=4

O documento que ora colocamos “em destaque” pertence a um importante fundo documental do Arquivo Público do Estado: DEOPS – Delegacia de Ordem Política e Social. Trata-se de reprodução eletrostática, produzida pela própria polícia política, do primeiro volume das dezenove cadernetas escritas por Luiz Carlos Prestes e apreendidas em sua própria residência, no ano de 1964. Juntas, somam 3.426 páginas. Essas cadernetas foram consideradas “a prova mais importante” para o indiciamento de 74 pessoas denominadas “subversivas” pelo Supremo Tribunal Militar. Nas cadernetas constam nomes de políticos brasileiros, comunistas e relatos das atividades desenvolvidas pelo Partido Comunista do Brasil - PCB. A investigação dessa documentação resultou em inquérito de dez volumes, sendo que as cópias das cadernetas foram anexadas ao processo. As páginas 122 a 125 da caderneta não foram reproduzidas por estarem em branco.

Observação: No acervo DEOPS de São Paulo não foi localizada a documentação original. Para mais informações sobre o tema, ver os documentos: prontuário 489 e dossiê 30-Z-9, pastas 16 a 33.

PS: E por falar em saudade:

http://www.terra.com.br/istoe/edicoes/2042/artigo119739-1.htm

A volta de cabo anselmo como cidadão
O marinheiro que desafiou os militares, se tornou um dos mais polêmicos agentes da repressão e vive na clandestinidade há 44 anos ganha ação na Justiça que obriga a União a lhe
devolver a identidade e os direitos civis

         

sábado, 8 de agosto de 2009

O DIREITO À VIDA


O texto que segue foi por mim escrito no auge da revolta contra minha própria espécie!! Favor levar em consideração minha tenra idade e falta de maturidade... sou a mesma desse texto, porém, com a carcaça mais endurecida e com novos métodos de protesto!! Viva la revolution!!


O DIREITO À VIDA

Inspirada nas ideias de A revolução dos bichos, de George Orwell, e em minhas próprias, escrevo esta história fictícia, que desejo sinceramente que aconteça.
Certa vez, no ano de 2080, os seres vivos, excluídos os seres humanos, é óbvio, receberam de um ente superior a capacidade de articular pensamentos por um tempo determinado, o que lhes permitiu dar início a uma organização coerente. A partir de então, cachorros, gatos, galinhas, cavalos, pássaros, onças, bois, vacas, ovelhas, porcos, patos, ratos, moscas, formigas, leões, jacarés, macacos, preguiças, girafas, ursos, cangurus, peixes, cobras, lagartos, sapos, minhocas, avestruzes, besouros, lagartas, aranhas, morcegos, baratas, grilos, hienas, zebras, cupins, joaninhas, jaguatiricas, lagartixas, antas, pulgas, carrapatos, ornitorrincos, lobos, elefantes, emas, borboletas, castores, veados, linces, morsas, panteras, guaxinins, cabritos, urubus, tartarugas, polvos, hipopótamos, búfalos, lesmas, ariranhas, corujas, pirilampos, vaga-lumes, ostras, camarões, leões-marinhos, coelhos, crocodilos, aves de rapina, tubarões, varejeiras, perus, baleias, gambás, animais utilizados em experiências e todos os répteis, moluscos, artrópodes, mamíferos, aves, vertebrados e invertebrados, algas, bichos com ou sem anexos córneos, fauna e flora, árvores milenares e recém plantadas, plantas de vaso, carrapichos e vermes, revoltaram-se contra a espécie (“especiesinha” medíocre) humana. “Ops”, me esqueci que os vermes não valem, pois eles já vêm exercendo seu papel brilhantemente, consumindo carne humana, lentamente.
Com isso, começaram a protestar e levantar alguns argumentos que incriminassem os humanos e eu vou citar apenas alguns exemplos: os cachorros (as), cansaram de passar frio e fome, de serem espancados violentamente, de ficarem presos a vida toda sem haver cometido nenhum crime e de serem abandonados por seus “donos” quando envelhecem ou ficam doentes, quando têm cria ou estão prenhes. Além disso, estão cansados de ser o prato principal dos chineses malucos.
Os gatos cansaram de ser atropelados por estúpidos que acham que carros ou motos lhes dão mais poder e também de levar vassouradas quando procuram comida para saciar sua fome, assim como os tubarões enjoaram de levar pauladas por procurarem alimentos em locais “impróprios” devido à deficiência em que se encontra o ecossistema. Vacas, bois, porcos, galinhas, avestruzes, búfalos, coelhos e perus, cansaram de ser engordados apenas com a finalidade de ser abatidos e de emprestarem sua pele, penas, ovos e leite para o consumo humano.
Peixes, baleias, camarões, polvos e ostras enjoaram de doarem suas vidas para se tornar pratos caros e exaltar o ego do homem. Os artrópodes e os pequenos insetos decidiram morar nos ouvidos dos homens sem pagar aluguel.
Cavalos cansaram da escravidão e das chicotadas, elefantes decidiram não mais morrer por seu marfim, passarinhos cansaram de sofrer em gaiolas e de levar pedradas de moleques idiotas que merecem levar uma grande surra. Os ratos, principalmente os de laboratório, assim como todos os animais utilizados em experiências, decidiram fugir a doar sua saúde para teste de cosméticos, remédios e outras experiências estúpidas que levam nada a lugar nenhum. Ah, isso sem contar os animais clonados, que envelhecem rápido e morrem cheios de deficiências que os homens criam e não conseguem curar.
Os perus decidiram furar os olhos das peruas humanas, de forma que elas não mais pudessem se adorar à frente do espelho e achar que o mundo gira entorno de seu próprio umbigo. As borboletas desejaram não mais ser colecionadas. Os morcegos se cansaram da fama ridícula de seres do mau e resolveram explicar que apenas algumas de suas espécies consomem sangue, já que a grande maioria gosta de frutinhas. Os cupins decidiram se unir e destruir todos os bonitos móveis feitos a partir do sofrimento das árvores.
Jacarés e onças cansaram de virar bolsa, sapato e casaco. Minhocas decidiram não mais ser isca, tartarugas cansaram de doar seus cascos, veados enjoaram de terem suas cabeças expostas como enfeites de parede e leões-marinhos decidiram que não queriam ser extintos como foram os tigres-dente-de-sabre. Isso sem contar as plantas de vaso, que optaram por sua liberdade e as árvores, que cansaram de sangrar ao som de serrotes e serras elétricas.
Estes exemplos são ínfimos frente às barbaridades cometidas pelos seres humanos, que não são capazes de respeitar nem mesmo sua própria espécie, que o digam os palestinos ou os brasileiros torturados durante a ditadura militar no país.
Bom, voltando à revolução, digo-lhes que os bichos (repetindo, excetuando a espécie humana), deram início a uma manifestação lenta e gradual (assim como o processo abolicionista no Brasil, que deixou os ex-escravos ao deus-dará). Aos poucos, o número de adeptos cresceu e, devido à sabedoria dos bichos, eles até aceitaram para lutar ao seu lado alguns seres humanos, que haviam dedicado suas vidas em prol da natureza e dos animais.
Por sorte ou por merecimento minha reencarnação foi convocada para a guerra, o que a deixou muito orgulhosa e satisfeita.
Quando o número de combatentes era grande o suficiente para exterminar a maldade do mundo a guerra começou. Mas não pensem vocês que os bichos agiram da mesma forma que os seres humanos maus, assim como em A revolução dos bichos, quer dizer, utilizando-se da tirania, humilhando e destruindo aquilo que todo ser vivo tem direito, A VIDA. Eles não mataram ninguém, apenas plantaram em suas mentes a semente do amor, da paz, da dignidade e do respeito por tudo o que tem VIDA. Além disso, conseguiram apagar da memória dos seres humanos maus toda a racionalidade e senso de superioridade que não sabemos quem os ensinou.
CONCLUSÃO: destruída a tão venerada racionalidade e libertados os extintos naturais, a harmonia voltou a reinar no planeta Terra, lugar onde apenas se mata para comer e se nasce par VIVER.

Adriana Machado Dias
01/06/2004

quarta-feira, 5 de agosto de 2009


Construção de uma ponte sobre o Rio Tibagi em 1935.

Esta imagem foi obtida do blog do professor José Carlos Neves Lopes "A COMPANHIA FERROVIÁRIA SÃO PAULO-PARANÁ (1923-1944)"

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Algumas ilustraçoes interessantes de Angelo Agostini:


Versão tipuniquim de Dom Quixote e Sancho Pança


...e sua versão do Guarani

História de Angelo Agostini


Angelo Agostini nasceu em Vercelli, no Piemonte, Itália, em 1843.
Passou a infância e a adolescência em Paris, chegando em 1859 a São Paulo em companhia da mãe, uma cantora lírica viúva, Agostini tinha 16 anos.
Desenhista nato e pintor de formação profissional, estudou na École et Arts em Paris, tendo iniciado sua carreira como desenhista na revista que ele próprio fundou com 21 anos de idade, chamada O Diabo Coxo, em 1864.



No ano de 1866, já prestava colaboração na revista O Cabrião, periódico muito conhecido naquele tempo. Nestes periódicos, ilustrou acontecimentos importantes da época,com suas famosas “reportagens visuais”, fez caricaturas e charges, que foi sua maior arma de contestação, assim como ilustrou capas e logotipos destas revistas.
(A participação política da Angelo Agostini, como na Guerra do Paraguai e no processo de Abolição da escravatura no país serão abordados por mim em outros posts)

Em 1867 fez sua primeira história ilustrada ou história em quadrinhos, onde imagem e texto conduziam a narrativa, e existia um personagem fixo.
Neste mesmo ano, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde começa a ilustrar as revistas O Arlequim, A Vida Fluminense e O Mosquito. Monteiro Lobato afirmou que Angelo Agostini, ao chegar no Rio de Janeiro,


Desembarcou com uma pedra litográfica a tiracolo e muita coragem no coração. Olhou em torno e viu pouco mais que um vasto haras, onde se caldeavam raças. Havia a mucama, a mulatinha, o negro do eito, o feitor, o fazendeiro escravista, o Jornal do Commercio, dois partidos políticos, o Instituto Histórico e um neto de Marco Aurélio (D. Pedro II) pelas cumeadas a estudar o planeta Vênus por uma luneta astronônica.
LOBATO, Monteiro. “A caricatura no Brasil”. In. Idéias de Jeca Tatu. Rio de Janeiro, 1922.

Em 1876 funda a Revista Ilustrada, atuando como desenhista, editor e jornalista. Tratava-se de uma publicação semanal de oito páginas, que manteve circulação por dezenove anos, até 1895. Foi, para a época, um sucesso estrondoso, rivalizando em tiragens com os jornais diários do período, inclusive, sendo a primeira revista a ter um sistema de assinaturas com mais de 4.000 assinantes. Esta revista ou jornal satírico foi talvez o mais regular e de maior sucesso do século XIX, e representa uma das principais fontes históricas e iconográficas daquele período.

Sua primeira história com personagem fixo apareceu na Vida Fluminense, no dia trinta de janeiro de 1869, denominada As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de uma Viagem à Corte, Nhô-Quim é um personagem nacionalista, criador de encrencas, vivendo á margem da corte, mas não à margem das elites da época. Desajustado, mete-se em confusões prosaicas, sendo um caipira rico que vai passear na corte, passa a tecer uma sucessão de críticas irreverentes aos problemas urbanos, modismos, costumes sociais e políticos da época.

No dia vinte e sete de janeiro de 1883, no número 331 de sua Revista Ilustrada, é publicada As Aventuras de Zé Caipora, que, juntamente com Nhô Quim, é considerado um dos primeiros personagens que, semanalmente aparecia em uma história inédita, característica essencial das historias em quadrinhos, ou comic strips, como são chamadas pelos norte-americanos. Zé Caipora é um azarado, o próprio nome “caipora” vem da crença dos caçadores do sertão brasileiro que retornavam sem nenhuma caça pelo fato de terem visto o Caipora do folclore caboclo.



Nas historias são narradas as desventuras de um anti-herói que viaja para o interior e acaba sendo preso por uma tribo dos Mundurucu-Açu e depois foge com uma bela índia da tribo chamada Inaiá.

No ano de 1895, continua publicando As Aventuras de Zé Caipora na revista Dom Quixote. Terminada as publicações na revista Dom Quixote, passa a trabalhar na editora O Malho, que lança no dia onze de outubro de 1905, a primeira revista de histórias em quadrinhos voltada para o público infantil, O Tico-Tico. Nesta revista, Angelo Agostini foi o responsável pela criação do logotipo, que permaneceu o mesmo até sua última publicação.



A Tico-Tico sobreviveu até 1956, trazendo em seu conteúdo criação de enorme sucesso de Luiz Sá : Réco-Réco, Bolão e Azeitona, famosos desenhistas brasileiros, como J. Carlos, Alfredo Storni e Calixto também desenharam e criaram personagens memoráveis na revista O Tico-Tico.

Nas primeiras publicações da revista, os desenhistas brasileiros copiavam os originais norte americanos em papel vegetal, coloriam e inseriam os textos traduzidos das personagens Buster Brown and Tige de Richard Outcault, rebatizados respectivamente, Chiquinho e Jagunço. Estas cópias fizeram sucesso por muito tempo no Brasil.

Desta forma, a obra de Angelo Agostini pode ser comparada como uma resenha completa do Segundo Reinado sob forma de ilustrações, pois os acontecimentos cruciais do país neste período, passam pelos desenhos dele, que eram publicados nas páginas da Vida Fluminense, d´O Mosquito, da Revista Ilustrada e de Dom Quixote.

O estudioso da caricatura Herman Lima comparou Angelo Agostini a Rugendas e Debret.

Parece desproporcional a comparação, mas examinando com atenção os desenhos de Agostini podemos ver o cenário de uma nação em formação e também as características de uma sociedade, elementos que observamos nas obras de Rugendas que também retratam a sua época.
Seu trabalho em prol da campanha abolicionista e seu engajamento na questão republicana, mostram seu interesse pelos ideais liberais, muito difundidos no Segundo Reinado. No entanto, uma grande diferença entre Agostini e os demais abolicionistas, era o domínio das técnicas de ilustração que ele tinha, levando informações a cerca de 80% de analfabetos do país que com suas ilustrações compreendiam melhor os acontecimentos políticos e sociais do país. Dessa forma ele nos mostra também, que pode-se fazer quadrinhos que tratam de temas não-infantis, como acontece muito atualmente, (mais da metade dos quadrinhos produzidos no mundo são direcionados ao público jovem e adulto).

Suas imagens tinham um teor pedagógico, com indicações caricaturais da sociedade: através do humor, ridicularizava a figura do Imperador D. Pedro II, do clero e dos políticos mais influentes. Assim como denunciava as atrocidades cometidas contra os escravos, publicadas, principalmente, pela Revista Ilustrada.
D. Pedro II era um de seus principais alvos, (o que era muito perigoso), Agostini envolvia o monarca em tramas cômicas onde era tratado com extrema irreverência, como na famosa charge onde Souza Dantas, seu conselheiro, derruba-o do trono.

Republicano e abolicionista, comemorou na Revista Ilustrada a Lei Áurea em 1888 e a Proclamação da República em 1889, passando respeitar bem mais em suas caricaturas marechal Deodoro, do que fez com o imperador então deposto.

Com a Revista Ilustrada sua audiência era quase nacional, portanto as elites do Rio de Janeiro e de todas as províncias, ansiosas com as notícias da corte procuravam este jornal, que cativou o público sedento pela crônica ilustrada dos acontecimentos correntes da capital, cujos protagonistas só a Revista permitia visualizar, e manteve para os leitores, muitas vezes distantes da corte, uma ilusão de participação da vida nacional.

Agostini foi, portanto, no Segundo Império, o maior caricaturista, desenhista de retratos e alegorias, autor de personagens heróicos e de reportagens ilustradas, articulista batalhador das causas democráticas e abolicionistas.
Estas denúncias e sátiras lhe renderam muitas críticas e hostilidades, sofrendo ameaças e pressões. Mas não parecia intimidado, como declarou no editorial do n.1 da Revista Ilustrada: “Falar a verdade, sempre a verdade, ainda que por isso, me caia algum dente”. Agostini morreu em 1910, aos 66 anos.

domingo, 2 de agosto de 2009

Texto interessante sobre como abordar os temas religião/religiosidade/poder da religião/tradição religiosa na sala de aula:

http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n27/n27a12.pdf

O capítulo "Religião" (pág. 187) é ótimo!!!

quinta-feira, 30 de julho de 2009

O planisfério de Hipátia


Histórias em Quadrinhos buscando seu lugar na arte e no ensino.

Imagens datadas da pré-história, como as inscrições rupestres marcadas nas cavernas, já mostravam a preocupação em se narrar histórias através de desenhos sucessivos.
Formas de manifestações artísticas como mosaicos, afrescos e tapeçarias, aproximaram-se do gênero narrativo que hoje chamamos história em quadrinhos, pois já se produziam técnicas que tornavam possíveis os registros da história por meio de uma seqüência de imagens.
Convive-se com as histórias em quadrinhos há muito tempo e, talvez por isso, não se perceba sua real importância. É possível, por meio delas, demonstrar insatisfação contra uma forma de governo, derrubar regimes, assumir posições políticas, fazer uma viagem interplanetária, vagar pelo velho-oeste, passear pela inocência do universo infantil e também dos sonhos. Com o intuito de ser compreendida inclusive por analfabetos, tem sido utilizada nas últimas décadas como excelentes manuais de instruções, em casos de procedimentos de emergência em aviões e fábricas, sendo também reconhecida sua utilidade prática.
As histórias em quadrinhos, atualmente são chamadas de “nona arte” tentando assim ganhar seu “lugar ao sol”. A partir do cinema que é considerado a sétima arte, surgiram muitas tentativas de enquadrar outras expressões artísticas neste ranking, o mais aceito até agora, a fotografia como a oitava arte, as histórias em quadrinhos como a nona arte, os videojogos como a décima e a computação gráfica como a décima primeira, estes padrões ainda não foram oficializados mas já são razoavelmente aceitos.
A primeira arte seria a Música, e respectivamente, a Dança, a Plástica bidimensional (desenho/pintura), a Plástica tridimensional (Escultura), o Teatro, a Literatura, o Cinema, a Fotografia e as Histórias em Quadrinhos.
Embora pudessem ter surgido muito antes do cinema, até hoje não são devidamente reconhecidas como forma artística. Elas são muito mais que simples desenhos, são uma fusão entre literatura e desenho, porém com modos próprios de se expressar.
As primeiras histórias em quadrinhos eram muito dependentes do texto, onde cada quadrinho, de formas bem padronizadas, era precedido de um breve enunciado.
Hoje em dia podemos ver conceitos totalmente diferentes nas histórias em quadrinhos. Algumas chegam a quase prescindir do texto, assumindo formas inusitadas e a arte utilizada nos desenhos é cada vez mais arrojada, usando as mais diversas técnicas plásticas.
Acredita-se que esta nona arte já assumiu uma linguagem própria, um modo único de representar seu objetivo, não sendo apenas um simples texto desenhado ou quadros de um filme capturados.
Muitas outras expressões artísticas são amplamente pesquisadas por historiadores, o que infelizmente não acontece com a chamada nona arte, que ainda é marginalizada e pouco pesquisada, pois ainda são vistas como um mero entretenimento infantil.
As histórias em quadrinhos são vistas de forma negativa, muitos artistas desta área ainda se sentem constrangidos ao serem denominados quadrinistas, talvez pela conotação de uma arte feita para crianças, preferem ser chamados de “ilustradores”, “artistas comerciais” ou “cartunistas”, por exemplo. Desta forma, generalizou-se uma certa “baixa-estima”, agravada pelo fato de a perspectiva histórica – que seria capaz de contradizer esta imagem negativa – ter sido obscurecida.
Sinto que uma reversão deste processo está acontecendo com o atual reconhecimento que os autores de quadrinhos tem, como o caso de Art Spiegelman, autor de Maus: relato de um sobrevivente que foi o primeiro quadrinho a ganhar o Prémio Pulitzer de jornalismo. E a adoção pelo governo de várias obras em quadrinhos para distribuição em escolas públicas, isso tudo faz com que se crie uma valorização nas histórias em quadrinhos como uma forma de construção das representações sociais.
Leia o que o editor do BLOG DOS QUADRINHOS, Paulo Ramos postou:
“Uma dica aos professores de cursos pré-vestibulares: digam aos alunos que a nova prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) deve manter a tradição de usar histórias em quadrinhos nas questões.
Outra sugestão: digam aos estudantes que há chances reais de caírem na prova gêneros dos quadrinhos que transitam em veículos midiáticos de grande circulação ou acesso.
Tradução disso: as questões deverão se pautar em charges, tiras cômicas e cartuns.
Se os alunos perguntarem como você, professor, sabe disso, diga o óbvio: sua leitura se pauta nas edições anteriores do Enem e no simulado da prova, divulgado nesta semana.
O simulado tenta apresentar alguns modelos de questões para que os estudantes possam adotar como parâmetro para a prova, que será realizada nos dias 3 e 4 de outubro.
O novo Enem - que antes era realizado num dia só - vai abordar quatro campos temáticos: ciências humanas, ciências da natureza, matemática e linguagens e códigos.
Em dois testes do simulado, os organizadores da prova usaram um cartum do argentino Quino - criador da Mafalda - e uma tira de Chico Bento, de Mauricio de Sousa.”
“O exame - que é elaborado pelo governo federal - ganhou mais destaque neste ano por funcionar como substitutivo do vestibular para algumas universidades, a maioria federais.
As edições passadas da prova costumavam também trabalhar charges e tiras. A leitura de textos em outras linguagens - caso dos quadrinhos - é um dos conteúdos exigidos na prova.“
Will Eisner, um dos maiores quadrinistas do mundo criou muitas histórias em quadrinhos com temática adulta; sendo também um teórico da nona arte, criou uma expressão muito usada para designar este tipo de arte, a “arte seqüencial”:
“A configuração geral da revista de quadrinhos apresenta uma sobreposição de palavra e imagem, e, assim, é preciso que o leitor exerça as suas habilidades interpretativas visuais e verbais. As regências da arte (por exemplo, perspectiva, simetria, pincelada) e as regências da literatura (por exemplo, gramática, enredo, sintaxe) superpõem-se mutuamente. A leitura da revista de quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço intelectual.”
“Em sua forma mais simples, os quadrinhos empregam uma série de imagens repetitivas e símbolos reconhecíveis. Quando são usados vezes e vezes para expressar idéias similares, tornam-se uma linguagem – uma forma literária, se quiserem. E é essa aplicação disciplinada que cria a ‘gramática’ da arte seqüencial.”
EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Seqüencial. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 8.

Desta forma, torna-se válido estudar a História por meio da leitura de Histórias em Quadrinhos. Principalmente quando se tem grandioso acervo, cujas imagens esclarecem de forma brilhante o cotidiano de dada época. É assim com a História do Brasil, é assim com Angelo Agostini, grande editor, chargista, repórter visual, ilustrador e quadrinista... assunto de meu próximo post.
aguardem.

Não se esqueça de...Hipátia de Alexandria


Pintada em uma sala do palácio do Vaticano(que ironia) por Rafael, “A Escola de Atenas”, represeta de forma idealizada e renascentista, vários filósofos gregos e não-gregos, inclusive Hipátia de Alexandria, a filósofa neoplatônica, está vestida de branco, logo a baixo do grupo de Sócrates


Tocou-me profundamente a história da vida de Hipatia de Alexandria, filósofa, matemática e última diretora da Biblioteca de Alexandria.
Ela nasceu em Alexandria por volta de 370 d.C. filha de Theon conhecido filósofo e professor na Academia de Alexandria. Pouco se sabe da vida e obra desta grande mulher a quem atribuem a invenção do densímetro, do hidrômetro, do planisfério e do astrolabio, além de desenvolver estudos sobre a álgebra e tratados sobre Ptolomeu e Euclides.
Como era uma grande defensora do livre pensamento e seus estudos Neoplatônicos defendiam a ideia de que o universo seguia uma mecânica celeste, a deixavam na linha de frente contra os preceitos religiosos do cristianismo, pois segundo ela o universo seguia uma sinfonia que era regida pelas leis da matemática
Hipatia desta forma se tornou o símbolo do paganismo que a nova religião cristã triunfante combatia ferozmente.

Quando Teodósio se tornou papa (379-392) várias transformações ocorreram, uma delas foi a destruição, com o seu aval, de todas as instituições não-cristãs, com o intuíto de combater as heresias, em vários pontos da Europa e da África, incluindo o Egito.
Com isso, sinagogas, templos, academias de estudo e a Biblioteca de Alexandria foram completamente destruídos, neste cenário caótico o futuro de Hipátia estava claramente correndo perigo, mas ela não fugiu e não se intimidou, afinal ela representava naquele momento, a guardiã de todo o conhecimento do mundo antigo acumulado por mais de 5.000 anos. Como sabemos ela não conseguiu salvar todo conhecimento da turba assassina e ignóbil que os homens se tornam quando são movidos pela fé, no caso a cristã, nem sua própria vida ela conseguiu proteger deste lobo ocultado em vestes papais.
Muitos acreditam que este acontecimento marca o início do mergulho do nosso mundo nas trevas do conhecimento, que ocultam a luz com obscurantismos e nos embotam com verdades imutáveis e pré-estabelecidas.

Hipátia de Alexandria disse:
"Reserve o seu direito a pensar, mesmo pensar errado é melhor do que não pensar."
“Governar acorrentando a mente através do medo de punição em outro mundo é tão baixo quanto usar a força.”

Charge do Quino...o que é a Matrix

Quando se fala da idéia/conceito de Matrix, me vem esta ilustração do Quino.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Deja vú

Deja vú
Falha na Matrix


THE MATRIX


Written by
Larry and Andy Wachowski
April 8, 1996

Esse texto pode começar com uma piada entre amigos reunidos, onde um deles depois de dizer que mora longe, alfineta o outro com a seguinte frase “ah, mas pelo menos eu tenho internet em casa” causando risada de todos os demais acerca de sua intervenção sobre o fato de o amigo não ter internet em casa.
Pois bem, veremos algumas reflexões a respeito do roteiro The Matrix e a problematica que ele apresenta em relação a pós-modernidade. The Matrix é um roteiro que originou a produção cinematográfica norteamericana e australiana lançada em 1999, dos gêneros ação e ficção científica, realizado pelos irmãos Wachowski.
Os diálogos são essenciais em Matrix, eles brotam das necessidades dos personagens, dos conflitos e servem como força motora para o desenrolar da história. Os diálogos trazem muitas questões sobre o ser humano, esse recurso faz dos diálogos construções bem engrenadas e funcionais ao propósito do roteiro.
A história contada no roteiro The Matrix gira em torno das disputas entre os seres humanos e as máquinas, por volta do ano de 2200, os homens lutam contra sua criação, a Inteligência Artificial. Em ato desesperado o homem causou um cataclismo nuclear, cobrindo o céu, deixando a Terra em grande escuridão, evitando assim que as máquinas recebessem energia solar. Culpando os homens pela tragédia universal, as máquinas se rebelaram e os escravizaram, adotando-os como fonte de energia, decidem cultivá-los como fossem plantas. Diz um dos personagens
principais, Morpheus (nome do deus grego do sonho) que tripulava a nave Nabudonosor (rei babilônico atormentado pelos sonhos): “O corpo humano gera mais bioeletricidade do que uma bateria de 120 volts e mais de 25 mil BTUs (unidade térmica britânica) de calor corpóreo. Combinado com uma espécie de fusão, as máquinas encontraram mais energia do que jamais precisariam”. Enquanto os corpos humanos reais estavam imersos em ‘campos’ de cultivo, suas mentes recebiam programas de realidade virtual, o qual simulava o mundo, a sociedade e a humanidade do final do século XX, um cyber programa chamado Matrix.
A alegoria pode ser comparada também com o processo acelerado de evolução técnica e cientifica que estamos vivendo, rápido e veloz tem sido esse movimento. O homem inventou máquinas, descobriu técnicas que lhe possibilitaram inventar novas máquinas que por sua vez lhe possibilitou descobrir e inventar novas técnicas e novas máquinas, sucessivamente, cada vez mais aprimoradas. E então de repente se da conta de que, acessoriamente, criou riscos e perigos, de controle dificil e as vezes impossível, no trabalho, nos transportes, nas mais diversas situações do dia-a-dia humano.
Surgiu no fim da década de 50 do século passado uma estética adequada a esse novo mundo, pós-industrial, dominado pelos meios de comunicação que velozmente transmitem informação em massa. Micro computadores, fax, satelites, chip, néon, i’pods, “mp tudo”, computadores de bolso que podem nos conectar a qualquer hora e a qualquer momento com qualquer lugar. Um mundo high-tech. Essa nova forma estética nasceu na arquitetura italiana esboçando uma reação à universalidade e racionalidade, propondo um retorno ao passado por materiais, formas e valores simbólicos ligados à cultura local. Tal estética caracteriza-se pela desconstrução da forma.
A desconstrução surge como parte de uma critica abrangente ao “pensamento ocidental”, uma estratégia subversiva unida a um ecletismo que nos permite o uso de coisas variadas. Na “Era da informatica”, na sociedades pós-industriais baseadas na informação, lidamos mais com os signos do que com as coisas, linguagem. Como por exemplo, existe hoje no site de relacionamentos Orkut uma ferramenta acessório chamada BuddyPoke onde o utilizador produz um avatar que o represente virtualmente, e a partir desse avatar é que ele abraça, beija, sauda, comprimenta seus amigos, que boa parte só conhecem pela sua figura repruduzida na tela do computador. Num mundo cada vez mais domesticado pela tecnologia, no qual muitas vezes as relações entre os homens estão condicionadas pelos instrumentos criados pela tecnologia.
No roteiro de The Matrix, uma única cidade humana ainda resistia em missões contra as máquinas, Zion. Morpheus, um dos lideres dessas missões esperava encontrar o suposto “escolhido” para libertar o mundo da ditadura das máquinas. O escolhido revelado posteriormente é Thomas Anderson que tem como profissão ser um operador de sistemas. À noite Anderson é um hacker (originalmente, são hackers indivíduos que elaboram e modificam software e hardware de computadores, seja desenvolvendo funcionalidades novas, seja adaptando as antigas. Os Hackers utilizam toda a sua inteligência para melhorar softwares de forma legal. Os hackers geralmente são pessoas com alta capacidade mental e com pouca atividade social). Como hacker Anderson se codnomina Neo, um possível anagrama para Novo; One, Um e de Eon variante de Aeon, "Eterno". Neo alimenta angústias existenciais, perguntas que vem do sentir que algo está errado em sua vida, mas ele, de imediato não sabe o quê, procura respostas para compreender mais sobre si, sobre sua existência, Neo é um personagem movido por essa busca. Suas angustias se sintetizam na pergunta: “O que é Matrix?”.
Nietzsche acredita que a criação de valores supremos significou niilismo, pois trocou-se a vida instintiva por conceitos, ideais inatingiveis de bom, belo, etc. Valores estes que serviram para acalmar as angústias e justificar a existência. Nietzsche aposta na vida instintiva, na intensificação dos sentidos, do prazer, uma vida enraizada no presente e aberta ao devir, tudo isso culminaria na transvaloração e o surgimento do super-homem.
O roteiro de The Matrix está repleto de mensagens sutis, dentre as quais a de que a máquina dificilmente controlará o homem, pois seu "comportamento" é baseado em programas e programas podem ser entendidos pela complexa mente humana que transcende a simples racionalidade da lógica ao constituir seu caráter instintivo. Máquinas vêm de um mundo feito de regras por isso podem ser vencidas pela força instintiva e impulsiva de Neo, negar impulsos é negar tudo o que nos torna humanos.
E Neo, pode representar esse super-homem. Neo ao compreender Matrix, e perceber como funcionam as coisas além da realidade virtual, se liberta do julgo de valores que lhes pareciam intrinsicos a sua existência, valores que lhe foram embutidos quando nascera. Ao nascer individuos, assim como Neo, são imbuídos de valores num ato violento, e raras vezes esses individuos avaliam esses valores, que lentamente se agregam a nós e acabam-se por se identificar a nós. Valores que se manifestam através dos estatutos da linguagem, que nos é posta pelas forças de poder como um programa cibernético logo quando nascemos. Nos disciplinamos a não a refletir acerca da genealogia das nossas idéias. O que significa? Como foram criados os termos?
E nessa teia cotidiana acabamos por não cogitar que a verdade é também uma construção lingüística, amparada por estatutos de poder, onde toda sociedade possui um discurso, uma política geral de verdade, construída para legitimar discursos, onde distinguir o que é verdadeiro do que é falso, e fazer isso funcionar, é resultado das disposições dos sistemas de poder, econômico ou político que ela, a verdade, exerce. Verdade para exercer controle, para evitar desordem. Esse poder ampara a verdade já que ela o serve muitíssimo bem, sendo força reguladora para um regime da verdade, que passa por nossa vida despercebida, como se a palavra representada realmente desse conta de representar as coisas do mundo.
O roteiro, contribui ao trazer a cena certas questões fundamentais, como quando explora o tema da realidade confrontada à ilusão do quotidiano. O que é o real? Quando Neo descobre que a Matrix é um programa de computador criado para controlar a vida dos seres humanos e que ele pode ser o predestinado a salvar a humanidade seus objetivos tornam-se mais claros. Neo quer ser dono de suas ações, ele diz não acreditar no destino, "Por que não me agrada saber que não tenho controle sobre minha vida". Matrix representa a prisão de onde ele deseja escapar. Para isso ele precisa superar suas dúvidas interiores, pois seus valores, que são seus piores obstáculos, pois estão em demasia arraigados em formas já corrompidas, que agem em suas vidas como um peso morto. Para atingir seu objetivo, Neo precisa libertar sua mente.
Neo guarda seus trabalhos como hacker, no fundo falso de um livro chamado "Simulacros e Simulação", e abre o livro no capítulo "Sobre o niilismo", sugestivo, já que Neo vivia infeliz e insatisfeito com os limites apertados de sua existência.
Alguns vêem a pós-modernidade numa esperança pessimista, outros a vêem de maneira otimista, e uns mais corajosos assumem o carater trágico que ela carrega.
O livro que aparece no filme “Simulacros e Simulação” foi escrito pelo professor, pensador francês que se enquadra na primeira vertente, Jean Baudrillard, morto em 2007 com 79 anos, que fez algumas ressalvas em relação à interpretação de suas idéias no roteiro de Matrix, em entrevista concedida à revista Época em 2003.
Jean Baudrillard diz ser um dissidente da verdade, não crer na idéia de discurso de verdade, de uma realidade inquestionável e única.

“(...) Desenvolvo uma teoria irônica que tem por fim formular hipóteses. Estas podem ajudar a revelar aspectos impensáveis. Procuro refletir por caminhos oblíquos. Lanço mão de fragmentos, não de textos unificados por uma lógica rigorosa. Nesse raciocínio, o paradoxo é mais importante que o discurso linear. Para simplificar, examino a vida que acontece no momento (...) Os signos evoluíram, tomaram conta do mundo e hoje o dominam. Os sistemas de signos operam no lugar dos objetos e progridem exponencialmente em representações cada vez mais complexas. O objeto é o discurso, que promove intercâmbios virtuais incontroláveis, para além do objeto (...). Atualmente, cada signo está se transformando em um objeto em si mesmo e materializando o fetiche, virou valor de uso e troca a um só tempo. Os signos estão criando novas estruturas diferenciais que ultrapassam qualquer conhecimento atual. Ainda não sabemos onde isso vai dar (...)”. (BAUDRILLARD, 2003)

Baudrillard, porém diz que nós não estamos preparados para enfrentar tal situação, a catástrofe simbólica, e a morte da crítica e das categorias racionais. Para ele “É necessário construir um pensamento que se organize por deslocamentos, um anti-sistema paradoxal e radicalmente reflexivo que dê conta do mundo sem preconceitos e sem nostalgia da verdade”.
Todavia, se tal pensamento se constituir pelos estatutos da linguagem, Baudrillard chegará ao ponto de partida de sua proposição.
Baudrillard diz que a interpretação sobre seu pensamento em Matrix é muito metafórica, e faz uma leitura ingênua da relação entre ilusão e realidade, pois a diferença entre uma coisa e outra é menos evidente. “A questão agora é como podemos ser humanos perante a ascensão incontrolável da tecnologia”. Para Baudrillard, um pessimista, o mundo anuncia sempre o caráter de padecimento do espírito humano
Já uma perspectiva trágica de mundo, representa habilitar uma existência sem culpa, onde abondonamos a idéia de um mundo natural, onde leis e formas podem representá-lo, já que o mundo real não se oferece ao pensamento, e sendo assim, todo conhecimento é um crime contra a natureza. Vive-se a eterna repetição do diferente.
Cotidianamente vemos exemplos de mútua negação entre tecnologia e liberdade, duas criações da mente humana. Da imposição ao uso de determinados meios tecnologicos como o computador e de redes de informação como a internet, por exemplo. Interesses de mercado obrigam a sociedade a adotar novas necessidades tecnológicas, ou servindo para arrancar de uns para os outros piadas de péssimo tipo como a que vimos no começo do texto “ah, mas pelo menos eu tenho internet em casa”. Precisamos efetivamente desses meios, objetos em nossas relações cotidianas?
O roteiro de The Matrix aponta o simulacro, o hiper-real, a valorização da imagem ao real, onde a sensibilidade se molda por imagens sedutoras. Em parte o nosso tempo, o nosso ambiente pode significar basicamente isso, que, entre nós e o mundo há simulação, estão os meios tecnologicos de comunicação. Eles refazem o mundo a sua maneira, o hiper-realizam, o transformam num espetáculo. Não muito diferente do que fazemos nós historiadores, que não atingimos os fatos, pois seria impossível atingir o que já se esvaiu, então criamos discurso, comunicação, linguagem, refazemos o passado, o transformamos, moldamos o passado a partir de nossos interesses. Pois enquanto estivermos sujeitos aos estatutos da linguagem não teremos, não atingiremos a pura manifestação do ser. Manipulamos mais os signos do que de coisas que eles reresentam, isto contribui para que sujeitos como Thomas Anderson, pessimistas na pós-modernidade sintam-se sem referências.
Novas linguagens deveriam surgir para que um sujeito pudesse interpretar livremente a realidade, segundo os pressupostos que ela apresenta.
A narrativa complexa de Matrix possui dois planos espaços-temporais: primeiro o que ocorre no deserto do “Real”, a Terra após a vitória das Máquinas, que transformaram homens e mulheres em fonte de energia. Em Matrix, a distopia pressupõe a inversão fantástica da relação Homem x Máquina. Nela, são os homens que alimentam, com energia, as Máquinas Inteligentes e não o contrário. Com a revolta das Máquinas, o estranhamento atinge sua dimensão radical. É um cenário devastador que existe na superfície da Terra. Por outro lado, ainda neste plano espaço-temporal “real”, existem os homens que resistem no subterrâneo, habitando a cidade de Sião, cujo acesso é secreto (o que os agentes federais queriam era o código de acesso a Sião para poderem derrotar, de vez, a resistência humana).
Segundo, o que ocorre no mundo real simulado pela Matrix. É o cenário urbano da metrópole, com sua vida cotidiana, sua pseudo-concreticidade, onde as pessoas estão imersas no emprego e nas suas ambições triviais. Neo, ao se deslocar pela metrópole, indo ao Oráculo, observa, pela janela do carro, certo restaurante. Diz ele: “Eu comia ali, tenho essas lembranças da minha vida. Nenhuma delas aconteceu?”. Neo tinha não apenas memórias protéticas, mas uma realidade simulada, um simulacro do “real”. Como entre nós e o mundo, existe a linguagem.
Um produto da estética pós-moderna, The Matrix faz uma espécie de bricolagem de vários elementos: filmes de ficção científica, Histórias em Quadrinhos, filosofia, filme policial, religião (Budismo Tibetano, Messianismo Judaico-Cristão), elementos da cultura cyberpunk (movimento que tem raízes na ficção científica, mas imagina um futuro sombrio e ultra violento, onde a realidade virtual, mundos paralelos, controle financeiro de grandes corporações e a ação dos hackers formam o cenário), animes, informática. O roteiro de Matrix, levado a cena cinematográfica, necessita de altos efeitos especiais, onde se caracteriza o cinema pós-moderno, sobretudo na ficção cientifica, misturam-se coisas, estilos. Matrix é a épica batalha entre o homem e o computador, o homem e a tecnologia, homem e progresso, o homem seus valores portanto o homem e sua criação.
A noção de progresso não reconhece a pluralidade. O roteiro retrata a cultura totalitaria intolerante das máquinas, sujestivo não é?
A pós-modernidade anuncia a perda de um criterio universal de avaliação dos fenomenos, ela sujere a diferença e certa relatividade. Em contraposição a noção de progresso, que impõe igualdade e pensamentos totalitários. No campo histórico a pós-modernidade não representa progresso na forma de se pensar a história, mas numa outra maneira de pensá-la.
Em Matrix nós entramos no mundo de regras específicas, as regras são as mesmas de um mundo de computadores, algumas podem ser distorcidas e outras podem ser quebradas, pois são regras criadas para manter determinado poder. Porém, mesmo construindo as regras que envolvem o mundo da Matrix, na verdade as regras daquele mundo devem ser contestadas. A suposta Unidade (conhecimento cientifico) levou a ciência a opor o Homem (o conhecedor) à Natureza (o conhecido), decretando a quantificação do mundo natural e social para tornar as coisas previsiveis, programaveis. Intensificando, estetizando, o simulacro faz o real parecer mais real, dá-lhe uma aparencia desejavel (um ambiente povoado pela tecnociencia).
Trinity descreve as angústias de Neo: “Sei por que está aqui, Neo. Sei o que anda fazendo. Sei por que mal dorme; porque mora sozinho e porque, noite após noite, senta-se ao computador. Você o está procurando. É a pergunta que nos impulsiona, Neo. Foi a pergunta que te trouxe aqui, assim como eu. O que é a Matrix: A resposta está aí, Neo. Ela está à sua procura. E ela te encontrará se você desejar.” Ao dizer que “é a pergunta que nos impulsiona”, Trinity faz uma afirmação ontológica. A pergunta é um produto imediato da consciência que guia a atividade; todavia, isso não anula o fato de que o ato de responder é o elemento ontologicamente primário nesse complexo dinâmico. O que significa que, se a pergunta é o que nos impulsiona, é o ato de responder e a resposta enquanto ação moral, que irá constituir o elemento ontologicamente primário. É o que vemos no decorrer do roteiro de Matrix, onde o ato de responder permeia toda a trama narrativa, sendo, em última instância, as escolhas morais que Neo é obrigado a fazer.
O mundo de Matrix é sonho. Pergunta Morpheus: “Você já teve um sonho, Neo, que parecia ser verdadeiro? E se você não conseguisse acordar desse sonho? Como você saberia a diferença entre o mundo dos sonhos e o mundo real?”. Nesse caso, o mundo só existe agora como parte de uma simulação neurointerativa, um mundo de sonhos. Matrix é um mundo dos sonhos gerado por computador feito para nos controlar, para transformar o ser humano numa bateria.
Neo observa: “Você já se sentiu como se não soubesse se está acordado ou se está sonhando?”. E o amigo retruca: “Você precisa sair um pouco, cara”. Mas movido pela ética do trabalho estranhado, Neo observa: “Não posso. Preciso trabalhar amanhã.” Enfim, a metamorfose de Neo é a metamorfose de um sujeito da informação-mercadoria, totalmente desefetivado – no sentido da precarização - em sua capacidade de apreender o sentido do real. sonho, sonho real, se não acordasse como saberia a diferença do mundo dos sonhos para o mundo normal.
O diálogo entre Neo e seu gerente na empresa onde trabalha, MetaCortex, expõe o caráter de submissão de Thomas Anderson. Numa insurgência meramente individual, Neo possuía um caráter contingente e clandestino como hacker. Um traço da personalidade de Neo é a autonomia (Morpheus perguntar a Neo: “Você acredita em destino, Neo?” E ele diz: “Não gosto de pensar que não controlo minha vida.”). Diz o Gerente: “Você não aceita autoridade, Sr. Anderson. Você se acha especial, como se as regras não se aplicassem a você. Esta é uma das maiores empresas de software do mundo porque cada funcionário entende que faz parte de um todo. Logo, se um funcionário tem problema, a empresa tem problema. Chegou a hora de fazer uma escolha, Sr. Anderson. Ou você escolhe estar na sua mesa no horário a partir de hoje ou você escolhe achar outro emprego.” Nessa breve cena de diálogo com o Gerente da MetaCortex, Neo é provocado a fazer uma escolha moral: Enfim, Neo é obrigado a escolher, a agir. O roteiro dos Irmãos Wachowski é uma verdadeira metafísica da ação moral nas condições de uma sociabilidade barbarizada pelo hiperfetichismo do capital. Thomas Anderson possui, em si, traços de conformismo com a ordem vigente, paga seus impostos, ajuda a senhoria a levar o lixo para fora. Entretanto, Neo possui uma outra vida pessoal, “dentro de computadores”, a vida clandestina de Neo é seu grito de escape.
O discurso do agente das Máquinas diante de Morpheus é um libelo contra a civilização tecnológica, ironicamente dita por um representante das Máquinas Inteligentes “Os homens vão para uma área e se multiplicam, até que todos os recursos naturais sejam consumidos. A única forma de sobreviverem é indo para uma outra área. Há um outro organismo neste Planeta que segue o mesmo padrão um vírus. Os seres humanos são uma doença. Um câncer neste planeta. Vocês são uma praga!”. Em última instância, o que temos em Matrix é a luta do homem contra seus objetos estranhados, um estranhamento que atingiu o mais elevado nível de fetichismo, um fetichismo inteligente, capaz de se propor, inclusive, como senhor da natureza. As Máquinas Inteligentes em Matrix buscam a sua própria sobrevivência através da dominação sobre os homens, transformados em meras baterias de energia (metáfora do trabalho abstrato). Na lógica do que é diferente é ruim, portador de certa patologia. É a prefiguração mítica de uma inversão absoluta entre criador e criatura. A criatura domina e vive à custa do criador, criando um novo sistema de dominação. Nesse caso, Frankenstein não apenas foge, mas se impõe, domina, cria um sistema de dominação absoluta, de negação da personalidade vida de seu próprio criador. Deste modo, Matrix nos sugere, no limite, o absurdo do sistema, expondo, através de uma mitologia ficcional, a ficção-científica, o domínio pleno de objetos-fetiches inteligentes. E mais uma vez reiteramos: o interessante é que, é nesse cenário de fetiche quase-absoluto, que viceja as questões ético-morais.
Temos para finalizar, no roteiro a seguinte fala de Neo: “Eu sei que você está ai, eu posso sentir sua presença, sei que está com medo, está com medo de nós, está com medo de mudar, eu não conheço o futuro, não vim lhe dizer como isso terminará, eu vim dizer como vai começar, eu vou desligar o telefone e depois eu vou mostrar a essas pessoas o que você não quer que elas vejam, eu vou mostrar o mundo sem você, um mundo sem regras nem controle, sem limites ou fronteiras, um mundo onde qualquer coisa é possível. O que haverá depois você vai decidir!”.
Nesse ponto Neo levanta vôo. É o ápice da metáfora do filme. O homem que é livre para voar, moldar o mundo a sua maneira.
O destino não existe sem ironia.

Referências bibliográficas:

- GIANNATTASIO, Gabriel. Próxima Parada: O Haras Humano. Londrina: Atrito Art, 2004.

- JENKINS, Keith. A História Repensada. São Paulo: Contexto, 2005.

- NIETZSCHE, Friedrich. Segunda Consideração Intempestiva - Da utilidade e desvantagem da história para a vida. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.

- Revista Época, 2003.

- ROSSET, Clément. O Princípio de Crueldade. Riode Janeiro: Rocco, 2002.

- SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 1993.

- WACHOWSKI, Larry; WACHOWSKI, Andy. The Matrix. EUA, 1996.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Homossexualidade 2

Ainda sobre sexualidade, encontrei essa notícia no jornal.
Saiu na Folha de São Paulo de 14 de julho de 2009:


"É a Inquisição para héteros", diz terapeuta
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
A psicóloga Rozângela Alves Justino diz que homossexualidade é uma "doença" e que "a maioria dos gays foi abusado sexualmente na infância e sentiu prazer nisso".

FOLHA - Como a sra. vê o homossexualismo?
ROZÂNGELA ALVES JUSTINO - É uma doença. E uma doença que estão querendo implantar em toda sociedade. Há um grupo com finalidades políticas e econômicas que quer estabelecer a liberação sexual, inclusive o abuso sexual contra criança. Esse é o movimento que me persegue e que tem feito alianças com conselhos de psicologia para implantar a ditadura gay.
FOLHA - O que é ditadura gay?
JUSTINO - Há vários projetos no Congresso para cercear o direito de expressão, de pensamento e científico. Eles foram queimados na Santa Inquisição e agora querem criar a Santa Inquisição para heterossexuais.
FOLHA - A que a sra. atribui o comportamento gay?
JUSTINO - À expectativa dos pais, que querem que o filho nasça menino ou menina. Projetam na criança todos os anseios. E daí começam a conduzir a sua criação como se você fosse uma menina. Outra causa mais grave é o abuso sexual na infância e na adolescência. Normalmente o autor do abuso o comete com carinho. Então a criança pode experimentar prazer e acabar se fixando.
FOLHA - Mas nem todos os homossexuais foram abusados na infância.
JUSTINO - A maioria foi.
FOLHA - Como é o seu tratamento?
JUSTINO - É um tratamento normal, psicoterápico. Todas as linhas psicológicas consagradas e vários teóricos declaram que a homossexualidade é um transtorno. A psicanálise a considera como uma perversão a ser tratada. À medida em que a pessoa vai se submetendo às técnicas psicoterápicas, vai compreendendo porque ficou presa àquele tipo de comportamento e vai conseguindo sair. Não há nada de tão misterioso e original na minha prática. Sou uma profissional comum.

Como paciente, repórter paga R$ 100 a sessão
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Numa sala onde mal cabem dois sofás cobertos com capas meio encardidas e uma cadeira de palha, a psicóloga Rozângela Alves Justino promete "curar" gays em terapia que pode durar de dois a cinco anos.A mulher de fala mansa e fleumática diz já ter "revertido" uns 200 pacientes da homossexualidade -que vê como doença- em 21 anos de profissão.Sem se identificar como jornalista, a reportagem se passou por paciente e pagou por uma consulta - R$ 200, regateados sem resistência para R$ 100.Para uma primeira sessão, ela mais fala do que ouve. Tampouco anota dados ou declarações do consulente. Explica que faz "militância política para defender o direito daquelas pessoas que querem voluntariamente deixar a homossexualidade". "É um transtorno porque traz sofrimento", diz a psicóloga, formada nos anos 1980 no Centro Universitário Celso Lisboa, no Rio.Rozângela diz adotar a "linha existencialista" e que 50% de chance do sucesso da "cura" vem da vontade do homossexual de sair "dessa vida" e outros 50% decorrem do trabalho psicoterápico."É preciso entender o que está por trás da homossexualidade. E a mudança vai acontecendo naturalmente. Vamos tentar entender o que aconteceu para que você tenha desenvolvido a homossexualidade. Na medida em que você for entendendo a sua história, vai ficar mais fácil sair", diz.Rozângela mostra plena convicção no que defende."Com certeza há possibilidade de saída. Nesses 20 anos já vi várias pessoas que deixaram a homossexualidade. Existe um grupo que deixou o comportamento homossexual. Existem pessoas que, além do comportamento, deixaram a atração homossexual. E outras até desenvolveram a heterossexualidade e têm filhos."No final da consulta, a recomendação: "A igreja pode ser um espaço terapêutico também" -embora não faça pregação. (VQG)
Psicóloga que diz "curar" gay vai a julgamento em conselho

Conselho Federal de Psicologia decide no dia 31 se cassa licença de Rozângela Alves Justino Resolução veta tratar questão como doença e recrimina indicação de tratamento; se o registro for perdido, será a 1ª condenação do tipo no país
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃOENVIADO ESPECIAL AO RIO
O Conselho Federal de Psicologia julga, no fim deste mês, a cassação do registro profissional de Rozângela Alves Justino por oferecer terapia para que gays e lésbicas deixem a homossexualidade. Se perder a licença, será a primeira condenação desse tipo no Brasil.Resolução do próprio conselho proíbe há dez anos os psicólogos de lidarem a homossexualidade como doença e recrimina a indicação de qualquer tipo de "tratamento" ou "cura".Rozângela, que afirma ter "atendido e curado centenas" de pacientes gays em 21 anos, diz ver a homossexualidade como "doença" e que algumas pessoas têm atração pelo mesmo sexo "porque foram abusadas na infância e na adolescência e sentiram prazer nisso".Numa consulta em que a reportagem, incógnita, se passava por paciente, Rozângela, que se diz evangélica, recomenda orientação religiosa na igreja."Tenho minha experiência religiosa que eu não nego. Tudo que faço fora do consultório é permeado pelo religioso. Sinto-me direcionada por Deus para ajudar as pessoas que estão homossexuais", afirma.A cassação de Rozângela, que atende no centro do Rio, foi pedida por associações gays e endossado por 71 psicólogos de diferentes conselhos regionais.Segundo Rozângela, que já foi condenada a censura pública no conselho regional do Rio no final de 2007, "o movimento pró-homossexualismo tem feito alianças com conselhos de psicologia e quer implantar a ditadura gay no país"."É por isso que o conselho de psicologia, numa aliança, porque tem muito ativista gay dentro do conselho de psicologia, criou uma resolução para perseguir profissionais", afirma.No Rio, Rozângela participa do Movimento Pela Sexualidade Sadia, conhecido como Moses, ligado a igrejas evangélicas.A almoxarife Cláudia Machado, 34, diz que recebeu de Rozângela a apostila "Saindo da homossexualidade para a heterossexualidade", que prega meios para a mudança de orientação sexual. "Hoje vivo a minha homossexualidade tranquila, essa história de cura não existe, o que houve foi um condicionamento. Reprimi meus desejos. Não sentia prazer", diz.Já a pedagoga Fernanda, que pede para não ter o sobrenome divulgado, diz ter sido lésbica por dez anos e que, depois da terapia que faz com Rozângela há quatro anos, passou a ter relações heterossexuais. "Realmente há possibilidade de sair da homossexualidade. É um processo longo. De lá para cá busco a feminilidade.""A ciência já mostrou que não existe tratamento para fazer com que alguém deixe de ter desejo homossexual nem heterossexual. Quando se promete algo assim, é enganoso", diz o terapeuta sexual Ronaldo Pamplona, da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana.Segundo ele, a Sociedade Americana de Psiquiatria retirou a homossexualidade do diagnóstico de doenças em 1974, seguida, uma década depois, pela Organização Mundial da Saúde."Se absolvê-la, o Conselho Federal de Psicologia vai referendar a tese de que é possível "curar" gays", diz Toni Reis, presidente da ABGLT, a associação brasileira de homossexuais."Isso traz prejuízo aos gays e contribui para fortalecer o estigma", afirma Cláudio Nascimento, superintendente da Secretaria de Direitos Humanos do Rio e do grupo Arco-Íris."Vejo [o pedido de cassação] como uma injustiça", diz Rozângela, que, se cassada, pensa em recorrer à Justiça comum.De um lado, cem entidades gays de todo o país vão levar um manifesto e manifestantes no dia do julgamento de cassação de registro de Rozângela, no próximo dia 31, em Brasília. Do outro, ela diz que vai reunir alguns ex-gays e psicólogos amordaçados para protestar contra a censura que diz sofrer.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Espelhos, de Eduardo Galeano

Como o Bruno sugeriu, vou postar um texto do Eduardo Galeano.

Escrever não
Uns cinco mil anos antes de Champollion, o deus Thot viajou a Tebas e ofereceu a Thamus, rei do Egito, a arte de escrever. Explicou aqueles hieróglifos, e disse que a escrita era o melhor remédio para curar a memória ruim e a pouca sabedoria.
O rei recusou o presente:
- Memória? Sabedoria? Esse invento produzirá o esquecimento. A sabedoria está na verdade, e não em sua aparência. Não se pode recordar com memória alheia. Os homens registrarão, mas não recordarão. Repetirão, mas não viverão. Serão informados, mas não saberão.
(Galeano, Eduardo. Espelhos: uma história quase universal. Trad. Eric Nepomuceno. Porto Alegre: LP&M, 2008, p. 15)

domingo, 19 de julho de 2009

Resenha: LEME, Edson Holtz. Noites ilícitas: histórias e memórias da prostituição.

Este é um livro muito interessante que trata da questão prostituição em Londrina, nas décadas de 1940 a 1960, pelo viés da análise discursiva.
O tema deste livro foi adaptado ao teatro em 2007.


LEME, Edson Holtz. Noites ilícitas: histórias e memórias da prostituição. Londrina: Eduel, 2005.

Por uma historiografia que privilegia os setores marginalizados em detrimento de representantes dos grupos hegemônicos da sociedade, Edson Holtz Leme trabalha a questão da prostituição na cidade de Londrina, no norte do Paraná, no período de 1940 a 1966. Se ocupa de personagens-outros como jogadores, prostitutas, cáftens, vagabundos pois “considerados a ‘nata’ da marginalidade, deixaram de ser iluminados pelos holofotes oficiais e foram estrategicamente silenciados e descartados do passado oficial” (p.05).

Seguindo uma linha teórico-historiográfica de tradição francesa, do movimento chamado “Nova História”, que possibilitou a abertura de novas perspectivas na forma de abordar o passado e aliado a emergência dos estudos temáticos anteriormente considerados marginais, ou seja, fora dos domínios oficiais da história, como gênero, sexualidade, disciplina, prostituição, Leme analisa as representações e imagens construídas sobre o mundo da prostituição: as tentativas de controle e segregação impostos a seus personagens e territórios na cidade de Londrina, durante o período de ouro da economia cafeeira. Também tem como objetivo contrapor aos registros dos saberes e discursos vinculados ao poder local – judiciário, religioso, legislativo e médico -, as lembranças e reminescências dos personagens que vivenciaram de uma forma positiva o universo da prostituição na cidade.

Para Leme, a história da prostituição em Londrina acompanhou o processo de desenvolvimento da cidade, desde a sua origem, passando pelos tempos de “capital mundial do café”. Atribui o crescimento acelerado e desordenado da cidade um movimento contínuo de “desrritorialização” e “reterritorialização” das zonas de prostituição.

No primeiro capítulo, contextualizando historicamente a cidade de Londrina e seus guetos de prostituição, o autor retorna até o tempo da colonização da cidade, quando foram comercializados os primeiros lotes de terra pela Companhia de Terras Norte do Paraná. Comenta sobre o projeto urbanístico da cidade e a importância da propaganda para colonização de seu território.

Inicialmente projetada para comportar uma população em torno de 20 a 30 mil habitantes, a Companhia de Terras Norte do Paraná previa uma distribuição racional da cidade, dentre os diversos núcleos urbanos, fundados com a progressiva ocupação e comercialização de suas terras. Partindo de um ideal urbanístico de influência inglesa do século XIX, a cidade foi organizada nos moldes da “cidade-jardim”, planejada para receber uma população limitada, canalizando os afluxos da população rural e corrigindo o problema da densidade, típicas das cidades industriais inglesas.

Alguns anos foram suficientes para mostrar que a ordem e a disciplina urbana do projeto inicial tornar-se-iam reféns do crescimento acelerado e desordenado de toda a região.

Na década de 1940, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, a economia cafeeira apresentou uma rápida recuperação no mercado internacional. Tal movimento foi responsável pelo crescimento da cidade, que representou um custo social muito grande para a cidade.

A expansão deu-se de forma desordenada, áreas anteriormente concebidas para se transformarem em reservas verdes logo se tornaram bairros periféricos. A chegada diária e crescente de imigrantes para a cidade não veio acompanhada da abertura proporcional do número de postos de trabalho, tanto no campo quanto na cidade. O aumento da miséria e da marginalidade acabou sendo a conseqüência. A tranqüilidade dos primeiros tempos passou a dar lugar à insegurança.

Em meio ao caos urbano que se formava no espaço territorial da cidade, surgiram medidas disciplinadoras que visavam regular a vida cotidiana de Londrina. Foi criada a Lei 219 do Código de Posturas que objetivou o estabelecimento de uma normalização de comportamentos sociais, visando garantir a segurança e a ordem pública. Regulamentados pelo Poder Público, a Polícia de Ordem Pública e a Polícia Sanitária tiveram como alvos principais as práticas, os territórios marginais, principalmente aqueles ligados ao mundo da prostituição. Não somente leis, mas também campanhas moralizantes, levadas à cabo pelas elites e famílias da cidade.

Localizados nas margens da malha urbana da cidade, os guetos de prostituição representavam espaços de sociabilidade diferenciados, ocupados por marginais como jogadores, prostitutas, vagabundos, cáftens, foram gestados pelo próprio desenvolvimento da cidade.

Conforme a cidade cresceu, o que se localizava na margem se aproximou, as zonas de meretrício localizadas na Rua Rio Grande do Norte ficaram cada vez mais próximas de áreas residenciais ocupadas por famílias da classe média da cidade. Antes distante do quadrilátero da cidade, a “rua do pecado” não incomodava os moradores, pois distante da maior concentração populacional da cidade, não representava perigo às famílias. Apesar da intolerância informal para com sua existência, o crescimento das casas de prostituição na Rua Rio Grande do Sul preocupou as elites e as camadas médias da cidade, tendo a imprensa um papel fundamental como porta voz dos guardiões da moral e dos bons costumes. Temiam que esta proximidade poderia exercer uma influência negativa aos jovens e ao seio familiar.

Leme, estuda o processo de “desrritorialização” e “reterritorialização” da zona prostituição quando transferiram por ordem judicial as casas e pensões da Rua Rio Grande do Sul para a Vila Matos, local que cresceu sob o estigma da marginalidade, distante do centro da cidade e próxima do olhar vigilante da polícia. A existência da Vila Matos, enquanto espaço de confinamento e controle, justificava, segundo a imprensa, uma ação firme da polícia visando a higienização social da cidade.

As diversas tentativas de normatizar e disciplinar a prostituição, tiveram como uma de suas principais justificativas, a preservação da moral e dos bons costumes. As tensões daí decorrentes percorreram toda a história da cidade.

O autor percebe ainda que, apesar do mal-estar provocado pela existência de um território marginal na cidade, dedicado às práticas ilícitas, como a prostituição, o pequeno número de casas suspeitas contribuiu, ao menos, nos primeiros anos da cidade, para o estabelecimento e a manutenção de uma certa tolerância. Muitos daqueles que em seus discursos, durante o dia, pediam o fim daquele antro, à noite buscavam, junto de amigos, divertir-se de forma licenciosa nas diversas boates existentes.

Nas décadas seguintes, o incômodo causado pelos “marginais” permanecia. Na década de 1950 já não bastava mais confinar as prostitutas em regiões distantes da região central mas também proibir sua circulação e determinar-lhes horários. A perseguição continuou através de repressão policial, por meio de “batidas” violentas e através do discurso moralizante e preconceituoso. A prostituição, pelo seu caráter de ameaça moral que representava às famílias, recebeu um tratamento especial e particular. Sempre presente nas páginas policiais, as prostitutas foram, por diversas vezes, responsabilizadas pelo aumento da criminalidade na cidade.

Segregar espacialmente, nas chamadas “casas de tolerância”, em territórios distantes, na periferia da cidade, mas acessíveis ao controle médico-sanitário, tornou-se também uma prerrogativa da intervenção policial que, dessa forma, consolidou práticas regulamentaristas no gerenciamento do mundo da prostituição.

Para Leme, o fenômeno da prostituição na cidade de Londrina não se consolidou enquanto um território boêmio de fama nacional, mas também como espaço de conflitos físicos e morais.

No segundo capítulo, Holtz Leme procura analisar os vários discursos que buscaram normalizar e disciplinar o comportamento dos corpos na cidade, que tentam justificar e consolidar determinadas imagens e estereótipos e preconceitos sobre a sexualidade ilícita, utilizando-se de fontes como inquéritos policiais, processos crime, atas de reuniões da Câmara de Vereadores, documentos e publicações eclesiásticas, notícias da imprensa e um depoimento.

A análise dos discursos normalizadores sobre o mundo ilícito possibilitou esquadrinhar os mecanismos pelos quais diversas instituições de poder local buscaram justificar o controle e a segregação espacial das “mulheres públicas”.

No terceiro capítulo, o autor abre espaço para a memória daqueles que vivenciaram o cotidiano do meretrício: clientes, prostitutas, policiais que apresentam uma “outra visão” do mundo da prostituição, diferentes da visão negativa da historiografia oficial, Leme procura regatar a positividade das lembranças, imagens e representações da zona como um espaço de sociabilidades alternativas.

Em suma, a obra de Edson Holtz Leme é uma contribuição para a historiografia dita “marginal” que, ao se embrenhar nos meandros da prostituição, lança uma nova perspectiva, uma positividade às práticas consideradas ilícitas e condenáveis por uma determinada noção moral.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Homossexualidade

Pessoal, não li ainda esse texto, mas parece ser interessante: aborda aspectos jurídicos da homossexualidade. Lembro-me do Paul Veyne, que afirma não haver nada de normal nessa prática entre os gregos, uma sociedade machista que, segundo ele, abominava essa prática. Acredito ser um assunto importante, pois a sexualidade é bastante trabalhada nas escolas, e para falar de sexualidade, certamente temos que falar de homossexualidade, que já se tornou um movimento político, uma prática corriqueira e aceita (até estimulada?), e um grupo que quer seus direitos, incluindo o de constituir família (casar e adotar crianças).

http://historia.abril.com.br/comportamento/vale-tudo-homossexualidade-antiguidade-435906.shtml

quarta-feira, 15 de julho de 2009

As ninfas mudas

Esse texto, de minha autoria, foi publicado no Zine Caosmótico n. 7, de maio de 2009.



As palavras eram três ninfas mudas, filhas de um mortal e da deusa História.
Observavam os acontecimentos e se angustiavam com a impossibilidade de narrá-los.
Um dia, as palavras se reuniram com a História e imploraram pela voz.
A deusa, sensibilizada com a súplica das filhas, fez com elas um acordo: permitiria que falassem desde que se comprometessem em narrar aos mortais seus ensinamentos.
Ansiosas, achando que a tarefa seria simples, aceitaram a condição... e deu no que deu.
Cada uma das palavras, ao narrar os ensinamentos da História, tinha seu próprio sentido... Em pouco tempo, os resultados da empreitada começaram a aparecer... o que quase levou a História ao completo descrédito: as palavras haviam criado uma grande variedade de ensinamentos. Alguns deles se completavam, outros se opunham e os demais não tinham nenhuma relação entre si.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Reflexões sobre o pensamento de Marsílio de Pádua: história política ou história cultural?

Minha segunda contribuição no blog, mas ainda com um texto meio antigo (esse é de 2006), que eu escrevi para um trabalho de Teoria da História e que foi ministrada pelo Rogerio Ivano. Esse texto é um dos meu preferidos porque eu tive muito liberdade pra escrever, já que a proposta era escrever um ensaio...assim são só especulações de uma mente inquieta sobre os problemas que rondavam, e ainda rondam, os estudos sobre algumas fontes e períodos da Idade Média. Espero que aproveitem a leitura tanto quanto eu aproveitei ao escreve-lo. \,,/

Para começar esse ensaio acho de bom tom falar um pouco sobre quem foi Marsílio de Pádua, e depois disso, as idéias e questões que eu quero começar a discutir aqui.

Marsílio Mainardini nasceu em Pádua no ano de 1280; sua família era tradicional naquela cidade, com seu pai ocupando um cargo importante na Universidade, o que leva a vários autores afirmarem que Marsílio desde jovem já vivia em um ambiente culto e que isso foi um elemento muito importante na vida do nosso autor. Estudou Direito em Pádua e provavelmente foi la também que estudou Medicina; em alguns meses entre 1312 e 1313, Marsílio foi reitor da universidade de Paris, por isso se conclui que ele já morava há algum tempo nessa cidade. No tempo em que viveu em Paris, Marsílio teve contato com os problemas que colocavam em conflito o rei Felipe IV e o papa Bonifácio VIII; no ano de 1324 Marsílio termina sua obra mais importante, Defensor pacis, que foi dedicado ao Imperador Ludovico (IV) da Baviera, Imperador do Sacro Império Romano Germânico. A intenção de Marsílio ao escrever essa obra era a dar fim às disputas entre Império e Papado, e para tanto ele escreve contra a chama plenitude de poder requerida pelos papas neste momento. Conforme o próprio autor expressa no capitulo XIX da primeira parte: “[...]alguns dentre os mais recentes bispos de Roma se atribuíram depois uma jurisdição coerciva universal sobre o mundo inteiro,(...),chamada plenitude de poder.”(p.200). Marsílio viveu muito tempo na corte do Imperador, auxiliado-o nas questões contra o Papado. Marsílio provavelmente faleceu em 1343.[1]

Não é meu objetivo aqui analisar a obra de Marsílio, nem as relações de poder entre Império e Igreja na Idade Média. O que eu espero é conseguir levantar algumas questões que considero importantes e pouco exploradas pela historiografia, tanto do período quanto das obras publicadas sobre o pensamento do Paduano.

Proponho que o leitor pense comigo durante esse ensaio certas questões, que desde já deixo claro que não serão respondidas aqui, mas em posteriores pesquisas e trabalhos; primeiramente quero tentar achar alguns vestígios de uma cultura política laica, racional na obra de Marsílio de Pádua; pretendo encontrar também no Defensor da Paz elementos de uma identidade cultural européia, e essa é a proposta mais complicada, como mostrarei mais adiante.

Devo primeiramente perguntar ao leitor: o que é que você entende por cultura política? Ou mais precisamente o que você entende por cultura política na Europa do século XII ao XIV?

Admito que para um leitor não iniciado nas leituras sobre esse assunto essas são perguntas complicadas. Pois bem, tentarei mostrar um caminho para o leitor seguir e, dependendo de sua capacidade, traçar uma ou mais respostas para as questões acima.

A política voltou a interessar os historiadores depois de algumas décadas longe dos temas mais desejados para pesquisas e trabalhos históricos. Mas o estudo da política hoje tem influências decisivas da antropologia, e essas influências deram ao historiador um novo ponto de vista sobre o fenômeno do político; as analises não são mais centradas nos grandes nomes da política e sim nas relações de poder que se estabelece entre os diversos atores e setores da sociedade.

A história, dita, política do ocidente medieval se aproveitou imensamente dessa renovação historiográfica. Com analises do campo simbólico do poder, os medievalistas perceberam com maior clareza os meandros das relações de poder na sociedade medieval. Analisando o simbólico, com influências da antropologia, a historiografia sobre o medievo entrou nas discussões sobre cultura.

Grandes estudos surgiram sobre a cultura, ou melhor, as culturas no ocidente medieval; foram centradas principalmente na cultura popular e nas relações que os níveis de cultura da sociedade medieval mantinham entre si.

No nosso caso, caro leitor, não precisamos discutir em que nível cultural o autor pertence (o que se poderia pensar é se nosso autor, Marsílio, só pertencia a um nível cultural, a saber, da cultura erudita; deixo essa reflexão em aberto...), pois é evidente que Marsílio pertence a elite cultural de sua sociedade.

No século XIV, momento em que Marsílio escreve, os saberes já não são mais monopolizados pela Igreja; desde o séc. XII a Europa tem universidades que são financiadas em grande parte pelo poder laico. A partir do século XII as obras de Aristóteles são traduzidas para o latim, e se tornam a pedra mestra do pensamento medieval, substituindo o pensamento platônico dominante ate então.

É nesse contexto que se insere a obra O Defensor da Paz. Como já foi dito anteriormente a obra foi escrita em defesa da paz, da tranqüilidade e do poder do Imperador. Na primeira parte da obra, Marsílio utiliza a Política de Aristóteles em quase todas as suas analises e proposições; essa utilização, como o autor diz em algumas partes (“Servindo-me de métodos corretos elaborados pela razão e apoiados em proposições bem estabelecidas e evidentes por si mesmas[...]”), é para provar e sustentar suas idéias com o respaldo da razão humana, sem precisar da teologia (na segunda parte o método do autor inverte e ele usa, sobretudo a teologia e as “verdades” da bíblia e dos santos...).

Voltando à pergunta que fiz no inicio deste ensaio: é possível ver no Defensor da Paz elementos de uma cultura política? e mais, uma cultura política laica, racional, separada dos dogmas da Igreja? Acredito que sim. Por tratar fundamentalmente da PAZ, Marsílio se insere num tema de longa duração no pensamento ocidental, que chega até os teóricos políticos da “modernidade” como Maquiavel, Hobbes entre outros. “Os laços entre a natureza e Deus eram matéria de fé e, por isso, não podiam ser demonstrados. A ciência política devia limitar-se, portanto, a cuidar dos objetos acessíveis à razão e à experiência”,[2]ou seja, o pensamento “político” não podia mais se relacionar com os assuntos da fé, da igreja. Sendo assim, o pensamento de Marsílio se insere no processo de formação da cultura política laica.

Passo agora ao segundo ponto de discussão, a saber, a possibilidade de encontrar no Defensor da Paz elementos de uma identidade cultural européia.

O leitor pode se perguntar: identidade cultural na Idade Média? Como, se é um período marcado pela descentralização política, econômica e até mesmo cultural? Como ter identidade, unidade em algo fragmentado? O momento em que Marsílio escreve é a gênese do processo de formação dos Estados-Nacionais, e segundo Denys Cuche é com a consolidação dos Estados-Nacionais que a identidade passa a ser quase que imposta ao individuo, para que a unidade do Estado não seja dissipada por mais de uma identidade cultural e nacional[3]·.

Acredito que a Idade Média, principalmente depois do século XI, conheceu uma identidade cultural através do cristianismo (cristandade...); isso se considerarmos somente o fato de praticamente toda a Europa ser cristã, acreditando em Deus e obedecendo (as vezes...) a Igreja Católica Romana, porque se levarmos em conta os particularismos culturais de cada região, as aculturações e sincretismos internos, não poderei falar de identidade européia antes da modernidade. Como fica então o problema em questão? Bom, uma saída é dizer que a identidade européia no medievo se constrói nas relações, nem sempre amigáveis, com “os outros”, que são os mulçumanos, judeus, hereges e etc; porque segundo Cuche, “[...]a identidade cultural aparece como uma modalidade de categorização da distinção nós/eles, baseada na diferença cultural”(CUCHE, 1999, p.177), ou no caso do ocidente medieval, uma diferença essencialmente religiosa, mas que não deixa de ter seu caráter cultural. Como eu adverti no começo do ensaio, o problema de identidade cultural na Europa “medieval” é complicado. Mas esse não é o lugar para se achar as respostas; é o lugar para mostrar as possibilidades de reflexão, por isso, um problema complicado não é motivo de desespero e desistência, mas sim motivo de entusiasmo e esforço para achar respostas convincentes, mas nunca respostas absolutas.

A Idade Média, caro leitor, foi um período de uma interdisciplinaridade impar na história do mundo ocidental. Não podemos perceber a filosofia separada da teologia, como não podemos perceber a teologia separada da política, ou essa longe do direito e assim por diante. Por isso um documento como O Defensor da Paz é a soma de todos esses saberes, e analisa-lo só a luz dos métodos, por exemplo, da história política ou da história do direito é se arriscar a não compreende-lo por inteiro. Sendo então um monumento da cultura, O Defensor da Paz pode ser analisado com métodos da história cultural. Esse é um caminho a percorrer e não digo que é um caminho fácil, mas quem disse que fazer História é fácil?

Bibliografia

Fonte:

PADUA, Marsílio de. O Defensor da Paz. Trad. J. A. C. R. de Souza. Petrópolis: Vozes, 1997.

Outros:

CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: Edusc, 1999.

HUNT, Lynn. Apresentação: historia, cultura e texto. In: A nova historia cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

KRITSCH, Raquel. Soberania: a construção de um conceito. São Paulo: Humanitas, 2002.



[1] Para as informações biográficas sobre Marsílio de Pádua utilizei-me da primeira parte da Introdução, escrita por Jose Antonio de Souza, do Defensor da Paz, obra que está na bibliografia no final deste ensaio.

[2] KRITSCH, Raquel. Soberania: a construção de um conceito. São Paulo: Humanitas, 2002. P.497.

[3] CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru, São Paulo: Edusc, 1999. P. 188.

terça-feira, 7 de julho de 2009

A Doação de Constantino e a utilização de fontes do período em uma aula de História Medieval.

Meu primeiro post aqui...um texto que escrevi no ultimo ano de facudade e foi publicado no Boletim do Laborátorio de Ensino de História da UEL. Espero críticas construtivas de quem se interessar! \,,/

O objetivo deste texto não é analisar o documento medieval denominado “Donatio Constantini”, pois uma analise desse documento extrapolaria muito os limites desse texto. Por isso, a finalidade dele é mostrar um caminho para o professor, do ensino fundamental e médio, trabalhar com História Medieval, em particular com o tema das relações de poder na Idade Média (principalmente no período da Alta Idade Média) e discutir como pode ser abordada a questão da “Doação de Constantino” sob vários aspectos em uma aula de História Medieval.

O período que denominamos Alta Idade Média se encontra entre os séculos V e XII.[1] Nos primeiros séculos desse período a Europa estava devastada pelas migrações/invasões dos povos “bárbaros” e a “queda” do Império Romano do Ocidente. O poder unificado do Império Romano foi substituído pelos vários reinos “bárbaros”, que até a reunificação imperial de Carlos Magno (Império Carolíngio) no século VIII, lutaram entre si para ver com quem ficava a maior parte dos espólios do Império Romano do Ocidente. A parte Oriental do Império Romano ainda emanava respeito e poder ao Ocidente fragmentado. Nesses primeiros tempos da Idade Média, até a Igreja (católica romana do ocidente) lutava para se unificar e se manter como a única instituição sobrevivente da ruína do Império Romano Ocidental.

As relações entre o poder espiritual, representado pela Igreja, e o poder temporal, representado pelo Imperador e os reis, sempre foram complicadas. A dinastia Carolíngia conseguiu acender ao poder graças, entre outros motivos, a uma união com a Igreja. Pepino, o Breve, doou as terras que ele tinha conquistado dos lombardos para a Igreja, começando assim o Estado Pontifício. Isso ocorreu no século VIII. Nesse momento é que entra em cena o tão famoso documento chamado de “Doação de Constantino”.

Esse documento é muito representativo e importante para a compreensão das relações de poder entre Igreja e Império. Primeiramente deve se dizer que a Doação de Constantino não é um documento legítimo, ou seja, foi produzido muito tempo depois dos fatos relatados nele. Não se sabe ao certo quem produziu esse documento, mas é evidente que foi com autorização papal. Sendo que grande parte dos territórios da Igreja foram doados pelo representante do poder temporal, ou seja, o rei dos francos na época, Pepino, a Igreja ficava assim numa posição de subordinação em relação ao poder temporal. O medievalista brasileiro Hilário Franco Junior explica: “Contra isso é que se forjou o documento conhecido por Doação de Constantino. Por este texto apócrifo, o imperador romano Constantino teria supostamente transferido para o papado, no século IV, o poder imperial sobre todo o Ocidente”.[2] Com esse documento supostamente legal, a Igreja invertia a questão da subordinação, anteriormente mencionada. Agora, a Igreja e o papa, teriam desde de o imperador Constantino o poder sobre o Ocidente; então, a Igreja não devia nada ao rei franco e sim o rei franco só governava por autorização do poder espiritual.

A Doação foi produzida pela Igreja no século VIII, querendo se passar por um documento do século IV. Nas disputas entre o poder espiritual e o poder temporal, depois do século VIII, esse documento foi amplamente usado pelos defensores da Igreja. Eles usavam a Doação de Constantino para afirmar a universalidade da Igreja e do papado romano; também servia para justificar a tentativa de domínio sobre toda a cristandade por parte da Igreja; os defensores do poder espiritual também utilizavam a Doação como legitimação da teoria de que o papa tinha a plenitude de poder sobre todo o Império e, conseqüentemente, sobre todo o Ocidente. A Doação de Constantino também foi utilizada para as disputas do papado com o Império Bizantino, pois se o Ocidente foi doado por Constantino ao papa, então o imperador bizantino não poderia reclamar direito nenhum sobre os territórios ocidentais. [3]

Durante toda a Idade Média a Doação de Constantino foi dada como autentica. Alguns pensadores nos últimos séculos já falavam que o documento possuía algumas “ilegitimidades”, principalmente jurídicas. No século XV temos a publicação de uma obra que prova a falsidade da Doação de Constantino. Essa obra é Discurso sobre a falsa e enganadora doação de Constantino, de Lorenzo Valla. Esse autor, motivado por questões políticas da época, provou que o documento era ilegítimo devido a vários erros internos. Para muitos essa obra, Discurso sobre a falsa..., é uma precoce investigação critica dos documentos. [4]

Os documentos, ou as fontes são a matéria-prima do oficio do historiador. O trabalho do historiador se faz com as fontes, escritas ou não. O exemplo da Doação de Constantino é interessante e ilustrativo por alguns motivos. Por muito tempo foi considerado um documento verdadeiro, sendo usado por diversos autores medievais para a exposição e explicação de suas idéias.

A veracidade ou a falsidade de um documento não o desvaloriza perante o bom historiador, pois este poderá analisar no documento falso, como no nosso caso a Doação, as intenções de quem falsificou, o que estava acontecendo no momento histórico da falsificação, ou seja, o historiador faz uma verdadeira História da mentira com o documento falso, para tentar chegar a verdade histórica (algo muito discutível e discutido...). Na Doação de Constantino os historiadores analisam os mais diversos aspectos: políticos, históricos, filosóficos, culturais, até as mentalidades não escapam do olhar atento dos historiadores, tudo isso para compreender e explicar melhor a sociedade medieval.

O professor de História precisa mostrar aos seus alunos como o conhecimento histórico é produzido. Por tanto, é necessário que conheça certas questões de método e teoria. No caso de uma aula sobre Idade Média, principalmente quando o conteúdo é sobre as relações de poder no período medieval, é absolutamente necessário apresentar aos alunos as fontes e documentos próprios do período, para que o aluno possa também construir seu conhecimento sobre o assunto tratado.

Bibliografia

BERTELLONI, Francisco. El pensamiento político papal en la Donatio Constantini – Aspectos históricos, políticos y filosóficos del Documento Papal. In: DE SOUZA, José Antonio C. R. O Reino e o Sacerdócio. Porto Alegre: Edipucrs, 1995.

BLOCH, Marc. Apologia da História ou O Oficio do Historiador.Tradução: André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001.

FRANCO JUNIOR, Hilário. Idade Média. Nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasilense, 2004.

GINZBURG, Carlo. Relações de força: História, retórica e prova.Tradução: Jonatas batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.



[1] Esse período pode ser enquadrado também entre os séculos VIII e meados do XII. Não entrarei no mérito da questão da divisão e classificação da Idade Média em períodos, pois não é objetivo em questão no texto. Portanto, optei pela periodização mais geral.

[2] FRANCO JUNIOR, Hilário. A Idade Média. Nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasilense, 2004. pp 57.

[3] BERTELLONI, Francisco. El pebsaniento político papal em la Donatio Constantini –Aspectos históricos, políticos y filosóficos Del Documento Papal. In: DE SOUZA, José Antonio C. R. O Reino e o Sacerdocio. Porto Alegre: Edipucrs, 1995. pp113-134.

[4] Ver o segundo capitulo de:GINZBURG, Carlo. Relações de força: História, retórica e prova. São Paulo: Cia das Letras, 2002.