terça-feira, 7 de julho de 2009

A Doação de Constantino e a utilização de fontes do período em uma aula de História Medieval.

Meu primeiro post aqui...um texto que escrevi no ultimo ano de facudade e foi publicado no Boletim do Laborátorio de Ensino de História da UEL. Espero críticas construtivas de quem se interessar! \,,/

O objetivo deste texto não é analisar o documento medieval denominado “Donatio Constantini”, pois uma analise desse documento extrapolaria muito os limites desse texto. Por isso, a finalidade dele é mostrar um caminho para o professor, do ensino fundamental e médio, trabalhar com História Medieval, em particular com o tema das relações de poder na Idade Média (principalmente no período da Alta Idade Média) e discutir como pode ser abordada a questão da “Doação de Constantino” sob vários aspectos em uma aula de História Medieval.

O período que denominamos Alta Idade Média se encontra entre os séculos V e XII.[1] Nos primeiros séculos desse período a Europa estava devastada pelas migrações/invasões dos povos “bárbaros” e a “queda” do Império Romano do Ocidente. O poder unificado do Império Romano foi substituído pelos vários reinos “bárbaros”, que até a reunificação imperial de Carlos Magno (Império Carolíngio) no século VIII, lutaram entre si para ver com quem ficava a maior parte dos espólios do Império Romano do Ocidente. A parte Oriental do Império Romano ainda emanava respeito e poder ao Ocidente fragmentado. Nesses primeiros tempos da Idade Média, até a Igreja (católica romana do ocidente) lutava para se unificar e se manter como a única instituição sobrevivente da ruína do Império Romano Ocidental.

As relações entre o poder espiritual, representado pela Igreja, e o poder temporal, representado pelo Imperador e os reis, sempre foram complicadas. A dinastia Carolíngia conseguiu acender ao poder graças, entre outros motivos, a uma união com a Igreja. Pepino, o Breve, doou as terras que ele tinha conquistado dos lombardos para a Igreja, começando assim o Estado Pontifício. Isso ocorreu no século VIII. Nesse momento é que entra em cena o tão famoso documento chamado de “Doação de Constantino”.

Esse documento é muito representativo e importante para a compreensão das relações de poder entre Igreja e Império. Primeiramente deve se dizer que a Doação de Constantino não é um documento legítimo, ou seja, foi produzido muito tempo depois dos fatos relatados nele. Não se sabe ao certo quem produziu esse documento, mas é evidente que foi com autorização papal. Sendo que grande parte dos territórios da Igreja foram doados pelo representante do poder temporal, ou seja, o rei dos francos na época, Pepino, a Igreja ficava assim numa posição de subordinação em relação ao poder temporal. O medievalista brasileiro Hilário Franco Junior explica: “Contra isso é que se forjou o documento conhecido por Doação de Constantino. Por este texto apócrifo, o imperador romano Constantino teria supostamente transferido para o papado, no século IV, o poder imperial sobre todo o Ocidente”.[2] Com esse documento supostamente legal, a Igreja invertia a questão da subordinação, anteriormente mencionada. Agora, a Igreja e o papa, teriam desde de o imperador Constantino o poder sobre o Ocidente; então, a Igreja não devia nada ao rei franco e sim o rei franco só governava por autorização do poder espiritual.

A Doação foi produzida pela Igreja no século VIII, querendo se passar por um documento do século IV. Nas disputas entre o poder espiritual e o poder temporal, depois do século VIII, esse documento foi amplamente usado pelos defensores da Igreja. Eles usavam a Doação de Constantino para afirmar a universalidade da Igreja e do papado romano; também servia para justificar a tentativa de domínio sobre toda a cristandade por parte da Igreja; os defensores do poder espiritual também utilizavam a Doação como legitimação da teoria de que o papa tinha a plenitude de poder sobre todo o Império e, conseqüentemente, sobre todo o Ocidente. A Doação de Constantino também foi utilizada para as disputas do papado com o Império Bizantino, pois se o Ocidente foi doado por Constantino ao papa, então o imperador bizantino não poderia reclamar direito nenhum sobre os territórios ocidentais. [3]

Durante toda a Idade Média a Doação de Constantino foi dada como autentica. Alguns pensadores nos últimos séculos já falavam que o documento possuía algumas “ilegitimidades”, principalmente jurídicas. No século XV temos a publicação de uma obra que prova a falsidade da Doação de Constantino. Essa obra é Discurso sobre a falsa e enganadora doação de Constantino, de Lorenzo Valla. Esse autor, motivado por questões políticas da época, provou que o documento era ilegítimo devido a vários erros internos. Para muitos essa obra, Discurso sobre a falsa..., é uma precoce investigação critica dos documentos. [4]

Os documentos, ou as fontes são a matéria-prima do oficio do historiador. O trabalho do historiador se faz com as fontes, escritas ou não. O exemplo da Doação de Constantino é interessante e ilustrativo por alguns motivos. Por muito tempo foi considerado um documento verdadeiro, sendo usado por diversos autores medievais para a exposição e explicação de suas idéias.

A veracidade ou a falsidade de um documento não o desvaloriza perante o bom historiador, pois este poderá analisar no documento falso, como no nosso caso a Doação, as intenções de quem falsificou, o que estava acontecendo no momento histórico da falsificação, ou seja, o historiador faz uma verdadeira História da mentira com o documento falso, para tentar chegar a verdade histórica (algo muito discutível e discutido...). Na Doação de Constantino os historiadores analisam os mais diversos aspectos: políticos, históricos, filosóficos, culturais, até as mentalidades não escapam do olhar atento dos historiadores, tudo isso para compreender e explicar melhor a sociedade medieval.

O professor de História precisa mostrar aos seus alunos como o conhecimento histórico é produzido. Por tanto, é necessário que conheça certas questões de método e teoria. No caso de uma aula sobre Idade Média, principalmente quando o conteúdo é sobre as relações de poder no período medieval, é absolutamente necessário apresentar aos alunos as fontes e documentos próprios do período, para que o aluno possa também construir seu conhecimento sobre o assunto tratado.

Bibliografia

BERTELLONI, Francisco. El pensamiento político papal en la Donatio Constantini – Aspectos históricos, políticos y filosóficos del Documento Papal. In: DE SOUZA, José Antonio C. R. O Reino e o Sacerdócio. Porto Alegre: Edipucrs, 1995.

BLOCH, Marc. Apologia da História ou O Oficio do Historiador.Tradução: André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001.

FRANCO JUNIOR, Hilário. Idade Média. Nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasilense, 2004.

GINZBURG, Carlo. Relações de força: História, retórica e prova.Tradução: Jonatas batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.



[1] Esse período pode ser enquadrado também entre os séculos VIII e meados do XII. Não entrarei no mérito da questão da divisão e classificação da Idade Média em períodos, pois não é objetivo em questão no texto. Portanto, optei pela periodização mais geral.

[2] FRANCO JUNIOR, Hilário. A Idade Média. Nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasilense, 2004. pp 57.

[3] BERTELLONI, Francisco. El pebsaniento político papal em la Donatio Constantini –Aspectos históricos, políticos y filosóficos Del Documento Papal. In: DE SOUZA, José Antonio C. R. O Reino e o Sacerdocio. Porto Alegre: Edipucrs, 1995. pp113-134.

[4] Ver o segundo capitulo de:GINZBURG, Carlo. Relações de força: História, retórica e prova. São Paulo: Cia das Letras, 2002.

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